Por que as coisas são assim? Eu me perguntava sempre que
olhava no espelho e não via reflexo nenhum. Não consigo mais me reconhecer, a
pessoa que eu era se perdeu, fugiu, não aguentou as dores e foi embora sem
dizer adeus. Se eu sinto saudades do que já fui? Não sei. É muita coisa para
questionar, muita memória para retroceder, muita angústia para contar e fazer
os cálculos. Eu sei que mudei, me desculpe, eu não escolhi isso, a mudança foi
inevitável, um dia acordei cansado, e no outro também, isso se repetiu por
muito tempo, e o tempo faz isso com a gente, talvez você não consiga entender,
talvez você não possa sentir o medo que corre nas minhas veias, é fácil pra
você me dizer que já não me reconhece, porque também é fácil pra mim, nem eu me
reconheço mais. Os dias se repetiram, dormi sem ar e acordei sufocado, estive
em um sonho estranho e não conseguia acordar, não havia nada nele, apenas um
quarto escuro e sem ar. Não havia uma janela de onde eu pudesse me atirar, ou
uma saída de emergência. Um dia eu acordei mais cansado e já não sabia quem eu
era, me senti tão leve que qualquer vento me derrubaria. Porém, fui uma criança feliz, porque não entendia o que era viver. Cresci e passei a perceber o que era, e não vi nenhuma graça nisso. Mas, precisamos sofrer pela
falta de mudanças e sorrir para parecer feliz. Se entristecer por não receber
ajuda e sorrir para parecer forte. Minha vida toda é resumida em fingimentos
emocionais. Finjo ser alegre, mas vou dormir a cada noite com o peso do não
entendimento entalado nas traqueias e quase paro de respirar em meio aos
pesadelos, que infelizmente, são reais. Meu coração continua batendo, mas tenho
a sensação de que ele já não quer mais me sustentar. A gente precisa sorrir e
chorar bastante e descobrir o lado bom e o ruim de cada um. Precisa andar na
chuva e no sol e sentir qual o melhor solo para se pisar. Precisa tomar uma boa
taça de vinho e se lembrar de que é isso que os italianos fazem para viver
mais. Precisa aprender a jogar algum jogo de cartas para, quem sabe, passar o
tempo com os amigos na falta de luz. Precisa passear por alguns parques e ver
os passarinhos namorando em árvores. Precisa comprar presentes e fazer os
próprios cartões de felicitações. Precisa sentir a pele arrepiando com o outro
entrando pela porta ou gostar de muita gente e amar apenas um. Precisa saber
que é inocente, mas não se deixar ser a vítima. Precisa ter bom humor para o
celular que acabou a bateria, o chaveiro que sumiu, a manhã que começou ou o
amigo chamando no telefone. Precisa ler livros, dar livros de presente, sentir
as palavras e até escrever um livro, se assim for. A gente precisa sentir os
impactos, mas levantar do terremoto. Precisa lembrar sempre que há alternativas
na vida, mas que a morte não tem saída. Precisa ter paciência no fim da festa,
calma no domingo em família e atrevimento na oportunidade de emprego. Precisa
ter um bocado de roupas coloridas e passar o verão de pés descalços. Aliás,
precisa pisar na neve, na areia e na água. A gente precisa deixar uns entrarem
e outros saírem. Precisa cozinhar ouvindo uma boa música e tomar menos
remédios. Precisa fazer piadas sem graça e não entender outras tantas. Precisa
rir do amigo que tropeçou e dar a mão para rirem juntos. Precisa tirar uma moça
para dançar ou deixar um rapaz enlouquecido de paixão. Precisa deixar a lágrima
cair e a garganta destravar. Precisa ser o momento triste e o momento feliz. A
gente precisa arrumar a vida, deixar ela se desarrumar e tentar tudo outra vez.
A gente precisa de muitas coisas, de uma lista imensa, de um abraço apertado,
de um beijo calado, de ver desenhos nas nuvens e carregar crianças no pescoço…
A gente precisa ir... Vivendo.